sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Conversa entre mulheres


Fomos almoçar em grupo, a Emília, simpaticamente, disse-me:

- A ti, encontro-te sempre na mesma!

respondi:

- Quando os homens deixam de nos dizer estas coisas, ainda bem que as mulheres se confortam...

Conclui a Emília:

- Não ligues, a partir de certa idade eles têm cataratas!

Aparições


Caem
do céu calcário,
acordam flores
milénios depois,
rolam
de verso
em verso
fechadas
como gotas,
e ouve-se
ao fim
da página
um murmúrio
orvalhado.


Carlos de Oliveira (Trabalho Poético 2º Vol.)

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Snoopy

Snoopy tem um dono

os amigos do senhor
fazem festas a Snoopy
e Snoopy lambe-lhes as mãos

são amigos do senhor

Snoopy é um cão treinado
não ladra, não usa trela
- o senhor gosta dele -
e ele não foge ao senhor

o senhor é um homem culto, bom,
que frequenta aulas da associação
protetora dos animais...

era feio Snoopy ir na rua com trela
O senhor só gosta de cães bem
educados!

Verão de 1980

Esterlícia




Pássaro ou barco, por onde a memória rebenta em lâminas de fogo. Dentro, como num útero, o meu sexo azul agasalhou a noite. Nasceu-lhe um filho há pouco... debruço-me, ainda, para o ouvir cantar. Acaricia a sombra quando tu não estás...


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Há sempre um final?



Fomos a Torres Vedras asssistir a um encontro de grupos de acordeonistas. O Carlos, nos seus 4 para 5 anos, acompanhou-nos no que era a sua primeira vez num espetáculo à noite.

Eu admirava a atenção calada com que se inclinava na cadeira para melhor ver o palco.
Por volta da meia noite, no final, o grupo despedia-se, recebia palmas e reaparecia para outro "encore".

Ao terceiro regresso, e quando as palmas de novo se ouviram, o Carlos disse-me:

-Vamos embora depressa, senão eles ainda voltam!.



sábado, 24 de novembro de 2012

O espetáculo

                                                                                                      

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Os óculos

Saía do metro e preparava-me para entrar numa pastelaria, ali na baixa de lisboa, quando fui abordada por duas raparigas que me perguntaram se poderiam fazer um teste. Cansada de dizer não às solicitações com que a cidade diariamente nos confronta, hesitei e perguntei para que servia o dito teste.
Explicaram: pretendia-se verificar o que atraía o nosso olhar dentro da loja. Para tal, teria que colocar uns óculos ligados a um certo aparelho que, por sua vez, registaria o foco da nossa atenção.
- Mas eu só quero um pão de deus, já escolhido da montra, argumentei.
Pacientemente informaram-me (?) que o importante era saber quais os nossos chamamentos mais íntimos, aqueles que nos desviavam do objetivo, aqueles para os quais a nossa vista correria independentemente da nossa vontade ou decisão tomada.
Aceitei o teste e sujeite-me a que me colocassem os óculos. Mau grado a minha boa vontade e já uma certa curiosidade pelo jogo, depois de duas tentativas, deram por finda a experiência, dizendo-se incapazes de utilizar o aparelho.
Eu já calculava que a coisa não iria correr bem... imagine-se que haveria hipótese de sabermos o que, na verdade, nos faz correr, o que nos move, nos leva a sair do conforto do casulo onde nos abrigamos, os mil gestos descodificados da sua aparente simplicidade…

Lembrei a João que me dizia ser possível conhecer melhor o outro, caso soubéssemos ver para além do visível, perceber o que lhe retira o sono ou o retira do sono, compreender o que o entusiasma, o que o faz agir …

Entrei na pastelaria e tentei comprar o pão de deus sem olhar para mais nada.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O grão de areia

Contar os grãos de areia destas dunas é o meu ofício actual. Nunca julguei que fossem tão parecidos na pequenez imponderável, na cintilação do sal e oiro que nos desgasta os olhos. O inventor de jogos meu amigo veio encontrar-me quase cego. Entre a névoa radiosa da praia mal o conheci. Falou com a exactidão de sempre:
"O que lhe falta é um microscópio. Arranje-o depressa, transforme os grãos imperceptiveis em grandes massas orográficas, em astros, e instale-se num deles. Analise os vales, as montanhas, aproveite a energia desse fulgor de vidro esmigalhado para enviar à Terra dados cientificos seguros. Escolha depois uma sombra confortável e espere que os astronautas o acordem."

                                                                         Carlos de Oliveira, Trabalho Poético, 2º vol. "Dunas"

O cosmos

Era Setembro e eu tinha 17 anos. Cruzava-se em mim a criança que me abandonava e a mulher que, timidamente, começava a respirar em cada poro do meu corpo.
Naquela casa, conviviam os espíritos da minha avó e da minha tia materna. Amor e Austeridade, histórias de família aliadas ao cheiro dos santos que a habitavam.

Naquele ano eu ainda recitava ao deitar:  “Senhor, não sou digna de que entreis na minha morada, mas dizei uma só palavra e a minha alma será salva”.
O sagrado na sua versão mais crua e castradora, Metáfora de códigos adultos, que reforçavam silêncios e calavam o corpo que nascia e crescia numa única manhã.

Era cedo demais e não entendi as palavras por dizer.

Nesse mês, acabava o Verão.

A grande duna



Ainda o cruzeiro e o tejo