Parti para Peniche onde dormi no Baleal. “Candidatei-me” a uma viagem à Berlenga, com dormida no forte abrigo, por dois dias. E aqui me tens, com o mar e as rochas à frente, golfinhos que passaram ao largo, gaivotas em grito, vozes afastadas e uma grande calma, musgosa, que me encharca a alma.
Quando cheguei, apanhei um pequeno barco que fazia a visita às grutas e me deixou no Forte. O Forte, renovado por fora e nas salas comuns, tem uns quartos tão pobres que mais parecem uma pequena cela de um missionário franciscano, promovido ao fundamentalismo doutrinário. Era pequeno, de paredes revestidas a pedra, limpo, com uma janela para o pátio e o mar. Do mobiliário, melhor será não falar, assim como da falta dele.. Lá dormi num saco cama improvisado pela Alice que, entre arroubos de sufragismo dos anos 60 e predicas astrológicas, me prevenira que a culpa era do Plutão, planeta dos escorpiões, que fora desclassificado... não se augurava nada de bom...
Almocei, de parceria com três pescadores, uma belíssima caldeirada de safio, raia e sargo.
Ninguém pergunta nada e tudo está bem, como se a natureza fosse razão suficiente para alguém procurar estar só.
Subi 300 e tal degraus e fui ao topo da ilha. Li um livro inteiro, tirei muitas fotografias e conversei com a máquina longamente. É uma companheira, com ela também damos satisfação ao mundo. Dirão “veio para tirar fotografias”...
Um grupo que filmava cenas do tipo “caça tesouros” , retirava coisas várias do mar, entre elas haveria também uma loura salva por um negro musculado...Falava-se português, inglês e alemão. A loura devia ser alemã. O musculado seria produto do Holmes Place. Cantaram até por volta da 1 ou 2 da noite, canções fora de moda (porque reconheci algumas), muito fado e até Zeca Afonso.
Hoje, de manhã, dizem-me que o barco que faz a ligação entre o Forte e o cais da Berlenga não trabalha, dado que a época acaba a 15 e já não há gente que justifique o trajecto. O homem partiu de férias para Peniche. Quem cá fica tem, na generalidade, barco próprio.
Explico ao Rui, um adolescente simpático que serve ao bar, limpa os quartos, carrega a água para um chuveiro improvisado (daqueles que devem existir nas caravanas...), que tenho mais uma noite e ia passar o dia de hoje no lado do cais. Que não havia problema, ele levar-me-ia quando fosse buscar o pão e, à tarde, eu que falasse com algum pescador que passasse pelo Forte e lhe pedisse boleia.
Não achei graça. Consigo estar comigo, com o livro ou com a máquina, acompanhada quanto baste por uma conversa ligeira com algum indígena, mas pedir boleia é que não!!
Então vim com ele e aqui estou a partir mais cedo, no último barco que hoje faça carreira para Peniche. Na praia, com duas gaivotas ao meu lado que me pedem comida, e três jovenzitos a brincar na água.
Esta é a parte estórica...
A outra parte, a que deixa musgosa a alma, pergunta:
Que se passa connosco, com todos nós que fizemos uma geração que queria viver, amar intensamente e construir um outro mundo ?
Estamos com o corpo a queixar-se e a alma espantada, pouco preparada para perceber onde falhámos.
A idade trata-nos mal. Não voltamos nunca às águas do mesmo rio e poluímos tanto a corrente que passa. E a memória é traiçoeira. Está demasiado perto, demasiado viva ...estraga, ofende, quando lembra.
Não me digam coisas bonitas. Estas são crises necessárias e de crescimento...
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