segunda-feira, 4 de maio de 2015

O pato sagrado


Era um pato pequenino, tão pequeno quanto eu, amarelo como uma gema de ovo, grasnando desesperado na varanda da casa. O meu pai, acompanhando-me no espanto e na alegria da descoberta, explicou-me ser a prenda de natal que o menino jesus deixara para mim.

Ainda hoje sei, sentida ou lembrada, a emoção de ter um pato que passara pelas mãos do menino jesus.

Nos dias seguintes, admirava-me que a vida continuasse o seu ritmo normal para os demais membros da família. Parecia ser eu a única a ver, naquele bichito que corria pela casa junto aos nossos pés e que, por via dos acidentes de percurso, andava sempre de patas entrapadas, o toque sagrado das mãos de um deus que se lembrara de mim.

Mais tarde, num tempo já sem deuses, dei um pato pequenino, tão amarelo quanto o primeiro, ao meu filho.
Talvez quisesse oferecer-lhe um momento breve, mas belo, de crença.





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