quarta-feira, 19 de março de 2014

Primavera


Nunca a minha rua acordara ao som de uma música que soava a Paris, tocada por um homem já velho que se recusava a olhar as janelas vazias.
Uma melodia que anunciava a primavera, num gesto oferecido pela pobreza da cidade.
Não sei a estória deste homem. Sei que, depois de tocar e apanhar algumas, poucas moedas, guardou devagar, mesmo muito devagar, cada um dos seus pertences. Embrulhou cuidadosamente o acordeão, levantou e dobrou a caixa que lhe servia para pousar o pé, a placa de madeira e partiu, em silêncio, de mochila às costas.

Parecia ser a primeira vez que se atrevera a usar o acordeão como ferramenta de sobrevivência. Não sei se algum dia regressará.

Para mim, nessa manhã, começaram os dias mais longos, com o sol e a luz belíssima de Março.

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