quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Frase do dia



O Carlos fez 10 anos e sente-se, como diz, um "pré adolescente". É mais contido nas palavras, nas opiniões, porque muitos assuntos que lhe interessam já não são do meu domínio. Os nossos universos começam a ficar limitados por vivências diferentes: "poderes" e monstros que me são estranhos, filmes que não vejo, músicas que não conheço, tecnologias que ignoro. Um outro processo mágico!

Mais pequeno, eu ainda  "pescava" nas palavras as descobertas que fazia e como, depois, as transformava em conhecimento. Frases que faziam a minha delícia e o meu espanto.

 Hoje regresso ao espanto e registo esta resposta a uma qualquer provocação que já não recordo:

"Tenho de me livrar do passado para poder pensar o futuro"
Upss!

Isto é dito entre a ironia e uma certa dose de gravidade, como quem projeta nas palavras uma reflexão já elaborada anteriormente.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

O pai, a Beatriz e a princesa Elsa


Francisca vivera na aldeia, filha de trabalhadores agrícolas. Conta-me que, chegado o mês de Dezembro, o pinheiro de natal era decorado com papéis de prata, coleccionados ao longo dos anos, retirados dos chocolates e depois alisados e guardados entre as folhas de um livro; as prendas do menino jesus resumiam-se a  seis nozes, um pai natal e um chapéu de chuva de chocolate. Todos os anos era assim, mandava a tradição e a condição económica da família.
Na manhã de confirmar os doces no sapatinho, a alegria repetia-se num reencontro anualmente desejado, fazendo de cada ano um ano novo.

Pergunto-me, então, se ser feliz é não ter expectativas. Uma voz antiga disse-mo, e não era natal!

sábado, 17 de dezembro de 2016

O medo



Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos,
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas,


"Congresso Internacional do Medo" de Carlos Drumond de Andrade






sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

A árvore e a casa


O verde agarrou a casa. Sobe-lhe pelas paredes, entra pelas janelas, discute o espaço e cobre as ruínas.  A vida e a morte num abraço de quadro a óleo.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Cores de Outono


Se um dia abandonar o bom senso e me deixar enlouquecer pelo sol. hei-de falar com as árvores e aninhar-me num dos seus ramos, como um pássaro. 

Medronhos em Monsanto


Nasce de uma flor branca e decorativa, transforma-se numa baga verde, depois amarela, por fim amadurece num vermelho forte que tinge o chão de Novembro e embriaga os olhos de tentações de açúcar. 

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Eu e os meus objetos



 Um pequeno recanto de figuras compradas com o prazer da descoberta. Cada uma tem a sua história e foi, durante anos, a minha quase inexistente tendência para o coleccionismo.


 Um pormenor de uma romaria minhota, de um barrista - Delfim Manuel - que se desdobra em figuras populares, dando ao barro a leveza da filigrana, e tornando num sorriso aquelas festas dignas de um filme do Kusturica. Foi a oferta que fiz a mim própria no dia em que o trabalho deixou de ser uma obrigação.


 Um alfarrabista saído das mãos e da humildade de um homem chamado José Franco. Era uma oferta, com direito a dedicatória escrita pelo próprio J.F. na traseira do manto.Lembro que procurar uma prenda era para mim um entusiasmo e um desafio. Gostava de encontrar símbolos, imagens e linguagens escondidas, outras dimensões e outras mensagens.A prenda era feita desta procura. Era sempre uma dupla entrega.

 Três figuras. A mulher que abraça a criança, as minhas cantarinhas de barro a subirem-me pelo corpo e pela memória dos tempos, um camelo, imagem de um deserto onde fui (como diria o outro) muito feliz, e de uma ceramista - Bernardete Gomes - que trabalha o barro como quem pinta a espátula.


Pormenor do meu amigo camelo.


Nas feiras de artesanato espero sempre encontrá-los. É um casal de jovens, bonitos por inteiro, o que se traduz também num ar de gente doce. Trazem muitos e variados bonecos, monstrinhos, gravetos em forma de qualquer coisa entre o humano e o vegetal. Benamai Sá Pinto não sei se é o seu nome de "guerra". Este boneco de madeira com asas de anjo ou borboleta foi, pelo tamanho e características, uma das suas primeiras criações. Tenho outros, uma crescente família délfica, que espanta os meus fantasmas nas várias janelas da casa. Comprei-o pouco antes de nascer o Carlos que, conforme crescia, se media com aquele ser de asas abertas à entrada da sala.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Na praia




Muito cedo, hoje, ontem, numa terça feira passada, em 2005 ou 2013, os meus olhos aprenderam a secura dos desertos. É uma doença estranha, já que não se legitima por causas ou razões observáveis. É  antes  uma falta na mais profunda raiz de mim, um silêncio amargo do meu corpo que recusa o fresco da água.

Sinto ainda, no pequeno gesto ou no insignificante acontecer, a ameaça de uma lágrima que não chega a cair, mas que me diz da alegria de estar viva.

Guardo, então, num velho cofre a palavra emoção com um medo enorme de perdê-la.


terça-feira, 15 de novembro de 2016

Verão de S.Martinho


Hoje houve um belo dia de sol e, à noite, uma super lua só visível de novo, dizem, daqui a 16 anos. 
Que mais desejar num mês de Novembro?

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Sós










“Hoje a mãe morreu”, começa assim o “Estrangeiro”  de Albert Camus.


Dizem que a morte acrescenta estrelas no céu. No céu que vejo da minha janela, não creio, mas afirmo, mãe, que a minha rua se apagou sem a tua presença.



sexta-feira, 28 de outubro de 2016

As árvores do meu rio



As árvores são gente de natureza diferente.

A algumas o corpo cresce sem receio, direito aos céus.

A outras, os ramos perdem-se, contorcem-se, vergam-se, à procura de um destino.


Silhueta à beira rio






Esta noite, uma nuvem cinzenta, pesada, atravessa e ameaça a lua redonda, cor de prata.
A lua espreitava, então, com uma face dividida, carregada de maus humores, esperando impaciente que o tempo, o vento ou os deuses lhe devolvesse de novo a canção da alegria..

Ao vê-la, percebi que a lua estava zangada. Hoje não estava para amar!

sábado, 15 de outubro de 2016

As penas do eucalipto



... desprendem-se em desenhos estranhos e morrem abraçados ao tronco, como num poema de Ievtuchenko. 

Antropomorfismos


Já escondi o meu corpo no tronco e nos ramos de uma árvore.
Já o escondi num corpo, num rosto, num ombro, em noites de agasalhar quem não dorme.
... e já não sei se sou árvore, se sou eu.


domingo, 4 de setembro de 2016

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Linhas quase paralelas


   




Os rastos luminosos cruzam-se e afastam-se, no céu e na noite.

A filha da moringa de barro


D. Zélia estava grávida, arredondava-se como a lua que a espreitara na noite de fazer filhos. Ficara-lhe, então, a sede. Uma sede de aplacar desertos, que mitigava com a água fresca do cântaro a saber a barro, a cheirar a barro. Era com a terra molhada que a barriga crescia e se fazia gente.
D. Zélia partiu para Lisboa ao arrepio da guerra e no encontro com a revolução que não era a sua. Não trouxe haveres, que o tempo era de medo, mas trazia as luas contadas e uma moringa de barro para saciar a sede.
Com ela, D. Zélia cumpria o gosto e o cheiro da terra de uma forma simples. Raspava o barro,dissolvia-o na água da cidade e encurtava distâncias enquanto a barriga continuava a arredondar.
D. Zélia "comeu" toda a moringa nos meses de fazer nascer... nem toda, porque D. Zélia guardou a asa que ofereceu à filha na hora de ser mulher.
Contava-lhe, então, estórias de saudade e sede de um lugar a que nunca mais voltara.


quinta-feira, 11 de agosto de 2016

O meu Kanto



O tempo abateu-se sobre a casa
Passeiam-lhe nas ruínas os fantasmas da memória. 
Um quarto de século...
Minha infância, como era bela, cheia desses caminhos brancos semeados de pedras, mais brancas, subindo, subindo sempre..."
O velho abeto caído, a minha avó Hermínia, ramo em que me agasalhei em noites de sonho e pesadelo.

Eram passos de dança, eu sabia, e não dancei...

1989

Leituras


Ao ritmo dos humores, dos estados de alma (?) e dos amores vividos ou ficcionados, foi crescendo este blogue. Deveria ser lido do primeiro para o último dia da sua escrita. Como a água de um rio que corre. Para trás é passado. Para a frente é já a foz.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

A pequena sereia em Lisboa


A pequena sereia apaixonou-se e perdeu a voz em troca de um lugar na terra dos homens. A bruxa má deu-lhe três dias para ser reconhecida e amada pelo seu príncipe. Vinda da Dinamarca, procura-o agora nas águas do Tejo, talvez no interior de um veleiro de asas abertas ao vento...
A pequena sereia desconhece que sem a magia da palavra e do canto, o amor nunca acontece. Será espuma na praia onde a profecia se irá cumprir
.

O pequeno marinheiro


quarta-feira, 20 de julho de 2016

O Sr. Alfredo


Há anos que o Sr. Alfredo resolve os pequenos problemas domésticos. É uma figura tosca, de poucas falas, lento quanto baste e a quem, normalmente, sobram peças depois do trabalho feito. Mas lá vai pregando os pregos, arranjando a máquina da roupa ou o esquentador.
É já da casa e nós gostamos dele.
Em reposta a uma pergunta, e num tom grave (levemente irritante), diz sempre "Você é que sabe!".
Quando há um problema, decerto é  " deli ou delé "! E se a torneira ficou torta, desabafa "logo vi que você era muito esquisita!".
Mas hoje o Sr. Alfredo foi mais conversador e informou-me estar muito melhor da memória " lembra-se mais das palavras" e tudo por causa da internet.
Como? O Sr. Alfredo joga, escreve, envia mails, tem um blogue? Não é bem assim, mas usa o Facebook para comunicar com a filha que está nos Açores.
Acrescente-se que o Sr. Alfredo também não tem computador, mas o milagre vai-se fazendo com o telemóvel.

Mercado vs Clientes


domingo, 10 de julho de 2016

Mãos sujas

















O Carlos, depois de lhe mandar lavar as mãos, lambidas pelo cão, diz-me:

"G., as minhas mãos estão sujas de alegria, não percebes?


domingo, 26 de junho de 2016

Reflexões sobre um auto retrato


Agustina Bessa Luís num belo conto chamado “A mãe do rio” diz : “a única solidão é aquela que não tem passado”.  

quarta-feira, 15 de junho de 2016

terça-feira, 24 de maio de 2016

O Céu de Picasso


Há quem veja uma senhora em cima de uma oliveira, eu vi esta andorinha nos céus de Lisboa. 

quinta-feira, 12 de maio de 2016

segunda-feira, 9 de maio de 2016

segunda-feira, 2 de maio de 2016

No cemitério




Sem cristos crucificados nem anjos de asas abertas.

domingo, 17 de abril de 2016