sábado, 24 de outubro de 2015

"Difícil fotografar o silêncio"




Regresso ao blog que não consigo encerrar. Criámos "laços" difíceis de partir.
Um blog transforma-se, com o tempo, num encontro connosco, e é penoso acordar só....continuará, então, a existir para pequenos textos que roubo à gaveta, ao silêncio dos dias ou ao rasgar do tempo.

Kantodafotografia será um novo lugar onde procuro mostrar (a algum extraterrestre que espreite núvens), as imagens que guardo na memória, sempre mais fiel, da minha máquina.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Despedida


“Vou-me embora pra Pasárgada, lá sou amigo do rei/ lá tenho a mulher que eu quero/ na cama que escolherei”, (Manuel Bandeira)

Irei para uma ilha, acampar e andar descalça. Subirei ao alto para ver as tempestades, namorar com o faroleiro e abraçar a lua cheia.
Escreverei, então,cartas que envio ao mar em forma de barco, avião ou pássaro.
Voarei, sempre que quiser, nas asas de uma gaivota que terá o nome dos meus amigos e dos meus amores.
O meu corpo saberá a mar e terá o cheiro bom das algas.

Um dia, talvez me nasçam barbatanas e uma cauda feita de escamas. Virei a terra, passados anos, para te amar, dormir na praia e partir pela manhã.

MM

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Tempos Modernos





Ontem, perdi centenas de  fotografias, textos, cartas e outros escritos pessoais que nunca divulguei. As nossas pequenas, tão pequenas, desgraças!...








Ao sabor da lua cheia





João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o
convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou-se com J. Pinto
Fernandes
que não tinha entrado na história.


"Quadrilha" de Carlos Drumond de Andrade

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Are you a dream...?


Gostava  e gosto de andar descalça. A minha avó não deixava. Aproveitava, então, a cumplicidade da Carolina, e depositava os sapatos na sua cesta, voltando a colocá-los à entrada da casa. Sabia-me bem o contacto com a terra.
Se pudesse, desejava ser, ainda hoje, a rapariga do graffiti.


quinta-feira, 6 de agosto de 2015

as flores e a cidade - 3º andamento


"Wilhelm dedicava-se exclusivamente a um tema a que chamava o "silêncio dos escritores", passando quase todo o dia a ler e a reler os grandes clássicos com o propósito de identificar o que os respectivos autores não tinham escrito.
... Wilhelm parecia apostado em provar que a perícia de um escritor depende dos lugares mortos, dos cadáveres das palavras, e não daquilo que verdadeiramente está escrito."

Afonso Cruz " O pintor debaixo do lava- loiças"

Amar na cidade, 2º andamento















"Quando um autor escreve a palavra "árvore" não escreve, por consequência, uma série de outras que poderia ter escrito..."

Afonso Cruz "O pintor debaixo do lava-loiças"

Amar na cidade



Temos de enforcar as palavras, dizia Wilhelm, para que elas, sem a sua garganta, digam o que escondem."

Afonso Cruz "O Pintor debaixo do lava-loiças"

terça-feira, 30 de junho de 2015

Biba Purtugal




















Biba Purtugal
Uns bão bem, outros mal!


terça-feira, 23 de junho de 2015

Mulher Cigana - O telemóvel


Na planície alentejana esta mulher pediu-me um telemóvel. Para mim, um aparelho que encurta distâncias. 
Decerto por não o ter, nunca mais nos encontrámos. 

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Crianças ciganas - A laranja


O amado sabor de uma laranja
e a casa regressa. O mar entrava todo
por ela, vinha do sul, cheirava bem.
A árvore já não existe, no seu lugar
a melancolia está sentada.
Tem uns olhos imensos onde corre o vento
E na mão uma laranja
amarga

                                                       Eugénio de Andrade

Crianças ciganas



Cito, desconhecendo o autor, esta frase  "nasci, pestanejei e morri". 
Talvez, por isso, cada dia gosto mais de gente pequenina. É esta a geração que nos ressuscita. Não sei se para melhor, se para pior. Mas são, como sempre, a renovação da utopia.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

O pato sagrado


Era um pato pequenino, tão pequeno quanto eu, amarelo como uma gema de ovo, grasnando desesperado na varanda da casa. O meu pai, acompanhando-me no espanto e na alegria da descoberta, explicou-me ser a prenda de natal que o menino jesus deixara para mim.

Ainda hoje sei, sentida ou lembrada, a emoção de ter um pato que passara pelas mãos do menino jesus.

Nos dias seguintes, admirava-me que a vida continuasse o seu ritmo normal para os demais membros da família. Parecia ser eu a única a ver, naquele bichito que corria pela casa junto aos nossos pés e que, por via dos acidentes de percurso, andava sempre de patas entrapadas, o toque sagrado das mãos de um deus que se lembrara de mim.

Mais tarde, num tempo já sem deuses, dei um pato pequenino, tão amarelo quanto o primeiro, ao meu filho.
Talvez quisesse oferecer-lhe um momento breve, mas belo, de crença.





quarta-feira, 15 de abril de 2015

O tempo

Há demasiado sofrimento neste planeta. Tão estupidamente avassalador, que julgo vir a gerar limites bloqueadores das emoções. Creio que, nesta fase, o corpo começa a pensar com o estômago, com o frio, com o dedo do pé ...ou com a indiferença total de querer morrer para salvar o outro.

Penso nas histórias de horror que a televisão mostra entre duas partidas de futebol.  Vejo, então, estarmos tão anestesiados que não sabemos mais chorar. Somos uma nova espécie de medusas gelatinosas, não damos à praia mas já estamos mortos.

Ultimamente sonho também que morro. E todas as noites retiro mais algum tempo à vida. Faço cálculos: meses, alguns anos (os últimos passaram tão depressa! durmo? estou acordada?) e um poço negro, pesado, vazio, aloja-se-me no peito e angustia-me.
..
Sou pequenina neste sonho, é inverno e procuro imaginar a primavera para forçar a lágrima. Recusa-se, então busco a memória da minha avó Hermínia, as maçãs sumarentas do poço, o rasto tão fantasioso dos sonhos da adolescência, as cartas trocadas e o tempo ingénuo das margaridas. Não crio, não projecto, aguardo...
Estou perto do choro, mas ainda não sou capaz!


sexta-feira, 27 de março de 2015

Alegoria da caverna

A minha sombra sou eu,
ela não me segue,
eu estou na minha sombra
e não vou em mim.
Sombra de mim que recebo a luz,
sombra atrelada ao que nasci,
distância imutável da minha sombra a mim,
toco-me e não me atinjo,
só sei do que seria
se de minha sombra chegasse a mim.
Passa-se tudo em seguir-me,
e finjo que sou eu que sigo,
finjo que sou eu que vou,
e não que me persigo.
Faço por confundir a minha sombra comigo:
estou sempre às portas da vida,
sempre lá, sempre às portas de mim.              

José Almada Negreiros "A sombra sou eu"


terça-feira, 10 de março de 2015

Travessia


Aos poucos desaparecem da nossa vida pessoas a quem amámos, de quem fomos amigas ou que simplesmente se cruzaram connosco.

Algumas imagino reencontrar quando observo, à noite, uma estrela no céu capaz de rir.  

Outras partem simplesmente, deixando atrás de si um rasto de silêncio e desconforto. Espero, com o tempo, ouvir também o seu riso novo a encher o firmamento.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Legitimidade vs representação

Tsipras acordou os sonhos dos gregos,  devolveu-lhes o orgulho de ser gente. Estremeceu a linguagem, lembrou anos antigos onde o discurso tinha o dom de acrescentar emoção ao governo da cidade.

Conta-se que um pequeno rato pode assustar o elefante...mesmo que por aí fiquemos!

E de utópico a radical de esquerda, todos os nomes são um elogio  face à vergonhosa representação  da "realidade"  portuguesa.



quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Ameijoa do Tejo


Chegam em grandes filas à hora da maré encher, carregados de sacos e cansaços. Respondem, assim, ao desemprego e à austeridade .
Vistos de longe são pequenos pontos vergados sobre as areias e a lama do rio. Parecem pássaros, em busca de comida, ponteando a paisagem do Tejo.

A distância, como sempre, suaviza a imagem e empresta-lhe o lirismo que a realidade nega.